Localizada em Luziânia (GO), a última morada de Juscelino Kubitscheck já teve negado pelo Iphan, por três vezes, o pedido para ser tombada como Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural, apesar de guardar, com fidelidade, um legado imensurável de um importante período da história de Brasília e de JK
Hoje, dia 22 de agosto, completam-se 49 anos da morte de Juscelino Kubitschek de Oliveira, o Presidente JK, num acidente na Via Dutra em Resende, no Rio de Janeiro.
“Brasilianas” aproveita a data não para comemorar (por razões óbvias!), mas para trazer aos leitores a história de um sonho do “Presidente Bossa-Nova” que foi interrompido por conta de sua morte trágica: a de ver o Cerrado brasileiro se transformar num celeiro de produção de alimentos. Tal qual ele se tornou hoje.
Toda essa história passa por um terreno de 27 alqueires, localizado há 20 quilômetros do centro de Luziânia (GO): a Fazendinha JK. Vou tentar contá-la, de uma forma mais resumida.
Em 1969, JK tentou vir a Brasília, em plena didatura militar. Ele queria ver como estava “sua terceira filha” (as duas primeiras eram Márcia e Maristela Kubitschek), mas ao saber que no avião estava o ex-presidente, os controladores de vôo (militares) impediram o pouso da aeronave.
Já estava anoitecendo e o piloto buscou pousar num aeródromo que ficava na zona rural de Luziânia (era o mais próximo). Foi preciso até que alguns carros ligassem os faróis para orientar o pouso.
Após a primeira noite, Juscelino se interessou pela região e depois quis conhecer um local que, segundo lhe contaram, de noite era possível enxergar as luzes de Brasília. O local fica a dois quilômetros da sede e é conhecido como “mirante da fazenda”. De lá, é possível (até hoje) ver as luzes da Capital brilharem ao anoitecer…
Este mirante ficava dentro das terras da então Fazenda Santo Antônio da Boa Vista, que tinha 310 alqueires.
JK encantou-se com lugar. Porque, de lá, ao longe, poderia mesmo observar a cidade que ele sonhou e construiu, mas que lhe era proibida a entrada pela ditadura militar. As luzes que ele via eram as da rodovia que chega ao aeroporto de Brasília – curiosamente, o mesmo aeródromo que hoje leva o seu nome: Aeroporto JK.
O presidente então fez uma proposta de compra ao dono do terreno. “Naquela época, ninguém queria terras nessa área. Os anúncios diziam: ‘Vende-se uma terra com a cerca dentro’, pois o que valia era a cerca, não o terreno”, conta Rosana Servo – uma personagem que daqui a pouco voltará a esta narrativa.
Juscelino comprou as terras, começou a fazer sua casa em 1972 e rebatizou carinhosamente o lugar: “Fazendinha JK”.

Local serviu para experimentos agrícolas
O historiador Elias Manoel da Silva, servidor do Arquivo Público do DF e um apaixonado pela Fazendinha, conta que a ideia de JK ao comprar as terras era a de quebrar mais um tabu. Assim como lhe havia sido dito que ele não conseguiria fazer uma cidade no centro do país, também lhe foi dito que as terras do Cerrado não eram produtivas.
Mas antes mesmo de comprar essas terras em Luziânia (ainda em 1965), quando JK planejava concorrer novamente à Presidência da República (as eleições seriam naquele ano, mas foram canceladas devido ao golpe militar de 1964), ele tinha em mente conseguir desenvolver a agricultura na região central do país.
Segundo Elias, se nas eleições de 1955 (que o levaram à Presidência) o mote da campanha foi o desenvolvimento industrial, com a proposta de avançar “50 anos em 5”, na campanha de 1965 JK planejava propor o desenvolvimento mais voltado para estruturas de base. “Ele queria fazer uma campanha mostrando o potencial incrível do país para a agricultura – o que incluia o então inapropriado e desvalorizado Cerrado”, afirma o historiador.
Na Fazendinha, Juscelino chamou amigos da Embrapa, que fizeram a correção do solo, e lá conseguiu plantar com sucesso soja, café e trigo. “Ainda hoje temos 17 pés de manga Haden, plantadas por ele. Essa manga tem a polpa alaranjada, muito doce e sem fibras. Ele queria produzir em escala para exportar a fruta”, completa Rosana Servo.
Outra: JK cercou toda a fazenda com pés de eucalipto, de onde pretendia tirar a lenha para produzir álcool a partir de uma usina de beneficiamento de mandioca.
“Ele era muito inteligente, viajado e estudioso. Viu que em outros lugares do mundo plantavam até na areia. JK tinha ideia de fazer experimentos no cerrado, que é ácido e pouco orgânico, mas ele queria provar que a região poderia ser celeiro de riquezas agrícolas”, completa Elias.
JK, o presidente que interiorizou o país, sendo visionário mais uma vez, podemos dizer assim?

