Diante da demora e das dificuldades em aprovar o edital da Participação Público-Privada no Tribunal de Contas do DF, que se arrastava havia 13 anos, Ibaneis Rocha decidiu tocar a obra com recursos do GDF e de financiamentos externos. Agora, espera a doação do projeto de uma das pontes, que teve participação de Oscar Niemeyer na sua concepção
EXCLUSIVO – Desde 2012, durante o governo Agnelo Queiroz (PT), os moradores do Lago Norte ouvem a (controversa) promessa da construção de duas pontes sobre o Lago Paranoá. O projeto completo prevê ligar a L4 Norte, próximo ao campus da Universidade de Brasília, passando pela Península Norte e, de lá, seguir para o futuro Setor Taquari II até chegar à BR-020, num conjunto de 16,5 km de vias. Além das duas pontes, serão feitas outras 21 obras de arte (viadutos, túneis e trincheiras). Esse conjunto de obras ganhou o nome de “Nova Saída Norte”.
O projeto tem o objetivo de desafogar o trânsito na região Norte do Distrito Federal, que conta com uma população de aproximadamente 350 mil habitantes. A nova via deverá absorver parte do fluxo do Trevo de Saída Norte e da Ligação Torto-Colorado, por onde passam cerca de 120 mil veículos diariamente, além de ser novo caminho até a BR-020, que liga o DF à Chapada dos Veadeiros, por exemplo, e facilita acesso a municípios como Formosa e Planaltina de Goiás.
Desde 2022, após várias etapas (como estudos técnicos e consultas públicas), o processo para a realização das obras da Nova Saída Norte está sob análise do Tribunal de Contas do DF. A ideia do governador petista era que o projeto fosse realizado por meio de uma PPP (Parceira Público-Privada), que resultasse na execução das obras (por parte da iniciativa privada) e, em troca, o GDF cederia terrenos para exploração imobiliária aos vencedores.
Em valores, toda a Nova Saída Norte estava orçada em R$ 4,1 bilhões. O contrato previa a modalidade de concessão administrativa, cabendo à ganhadora a construção, conservação e manutenção de todo o trecho por 25 anos.
Em março de 2024, o Tribunal de Contas encaminhou ao GDF documento afirmando que “o corpo técnico do TCDF propõe a interrupção das análises deste projeto, devido as falhas de modelagem contratual que ainda persistem no projeto e que incorrem em risco de inexecução contratual, já que não foram sanadas nem esclarecidas pela comissão técnica, conforme análises feitas nesta informação”.
Ainda segundo o TCDF, “Tais falhas possuem caráter estrutural e, ao serem corrigidas, implicarão modificação de edital, contratos e cálculos econômico-financeiros, fazendo com que quaisquer análises além desse ponto se tornem obsoletas por modificação do projeto”.
Diante desta decisão do Tribunal de Contas, que apontou vários entraves, e após vários questionamentos, estudos internos e análises de riscos, em março deste ano a Semob-DF encaminhou documento ao Secretário de Projetos Especiais do GDF (responsável pela gestão das PPPs) a fim de submeter a questão ao Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas (CGPPP), para que o conselho delibere sobre o andamento do processo como PPP ou por meio de contratação direta de obra pública.
Mas, segundo o secretário de Obras e Infraestrutura do DF, Valter Casimiro, em entrevista exclusiva a “Brasilianas”, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decidiu “dar uma solução mais prática, mais rápida e de solução mais imediata” a essa questão: quer que o GDF faça as obras, por contratação direta, com a execução dos projetos sob responsabilidade da própria Secretaria de Obras.
O financiamento poderá ser tanto com recursos garantidos junto a bancos credenciados (o GDF está bem posicionado no ranking em relação à tomada de empréstimos externos) e também da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), obtidos com a venda de terrenos públicos no DF.
Este mesmíssimo modelo foi anunciado recentemente por Ibaneis, no início de junho, quando anunciou a construção de mais duas novas pontes sobre o Lago Sul, que terão investimentos estimados em R$ 1,7 bilhão.
Agora, segundo apuração de “Brasilianas”, para encerrar de vez a ideia da PPP da Nova Saída Norte só falta a realização da reunião do Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas, a fim de formalizar a decisão. Daí, o GDF encaminhará a ata do CGPPP para o Tribunal de Contas do DF e o assunto da PPP da Saída Norte estará concluído.
Mas, na prática, os projetos já estão sob a mesa da Secretaria de Obras…

Doação dos projetos das pontes
Quando da decisão de tocar a obra de forma direta, há cerca de dois meses, Ibaneis tomou outra medida: ligou para o dono da construtora JC Gontijo, José Celso Valadares Gontijo, e pediu que ele faça a doação dos projetos das duas pontes sobre o Lago Norte, que pertencem à empresa e a OAS S.A.
As duas empresas formaram um consórcio que, em 2013, foram contratadas para realizarem conjuntamente os estudos técnicos de viabilidade econômico-financeira, jurídico-institucional e modelagem de parcerias público-privadas. Mas, só que o GDF não pagou pelos estudos. Em vez disso, deu como “moeda de troca” lotes do Setor Taquari II, uma das regiões que mais serão valorizadas assim que o complexo viário ficasse pronto.
Segundo o secretário de Obras, Valter Casimiro, o pedido de Ibaneis foi feito quando ele comunicou ao empreiteiro que não haveria mais PPP. “O governador Ibaneis ligou para o José Celso (Gontijo) e trataram da possibilidade de o consórcio doar o projeto das duas pontes sobre o Lago Paranoá, justamente as que fazem a ligação do Lago Norte com todo o trajeto da Saída Norte – sobretudo da principal, a estaiada, que teve participação de Oscar Niemeyer no seu projeto”, disse o secretário de Obras a “Brasilianas”. Até o momento, a JC Gontijo ainda não respondeu ao governador.
Quem é JC Gontijo
O engenheiro José Celso Valadares Gontijo, hoje com 80 anos, foi o responsável pela construção da Ponte JK (em 2003, com a empresa Via Dragados) e esteve à frente de outras grandes obras no DF, como as primeiras linhas do metrô e a construção da sede da Câmara Legislativa. Ele também esteve envolvido na Operação Caixa de Pandora, que tirou o ex-governador José Roberto Arruda (sem partido) do cargo de governador, em 2010.
A ação penal contra o dono da JC Gontijo prescreveu em novembro de 2022 e foi encerrado o processo, no qual ele era réu, acusado pelo Ministério Público do DF de corrupção ativa.